O LIVRO DA VIDA – SANTA TERESA DE ÁVILA (PARTE I)

Existem, pelo menos, cinco santas Teresa: Santa Teresa de Ávila (Espanha, 1515-1582), Santa Teresa de Lisieux, também chamada Santa Teresinha (França,1873-1897), Santa Teresa dos Andes (Chile, 1900-1920), Santa Teresa Benedita da Cruz, também conhecida como Edith Stein, morta em um campo de concentração nazista (Alemanha, 1891-1942) e Santa Teresa de Calcutá (Macedônia, 1910-1997).

Capa da Edição da Companhia das Letras, 2010.

O Livro da Vida é uma autobiografia de Santa Teresa de Ávila, ou seja, a primeira santa com este nome, que viveu toda sua vida na Espanha do século XVI. Ela foi uma freira carmelita e mística. Em 1622, quarenta anos após a sua morte, o papa Gregório XV a canonizou (seu dia é 15 de outubro). Mas só em 1970, o papa Paulo VI a tornou Doutora da Igreja.

Doutor da Igreja é um título conferido a indivíduos de reconhecida importância, particularmente no campo de teologia ou doutrina católica. Santa Teresa de Ávila foi a primeira mulher a receber esse título. Depois dela, outras três santas tornaram-se Doutoras da Igreja: Santa Catarina de Siena (1970), Santa Teresinha (1997) e Santa Hidelgarda da Bingen (2012).

O século XVI (1501-1600), em que viveu Santa Teresa, foi um período conturbado para a História da Europa e da fé católica. Alguns exemplos marcantes de eventos que antecederam:

·      Em 1439, Johanes Gutenberg inventou a prensa por tipos móveis, que revolucionou o processo de impressão de livros, possibilitando que um grupo muito maior de pessoas tivesse acesso à leitura. Santa Teresa de Ávila era uma leitora voraz. Na juventude, ela leu romances de cavalaria. Depois, durante toda vida, ela se apegou a diversos livros religiosos para crescer na oração e na fé. Nas suas próprias palavras:

“Porque a secura não era habitual, mas ocorria sempre que me faltava um livro, porque logo se dispersava a alma e os pensamentos iam perdidos. Com a leitura eu os começava a recolher e, como por afagos, conduzia a alma. E, muitas vezes, abrindo o livro, não era preciso mais. Outras vezes, lia pouco, outras, muito, conforme a dádiva que o Senhor me fazia.”


Livro impresso com a tecnologia da época.
 Imagem retirada do PixaBay.

·      A Espanha era dominada por muçulmanos. O último governo muçulmano foi expulso em 1492. No mesmo ano, por meio do decreto de Alhambra, os judeus foram expulsos da Europa. O avô paterno de Santa Teresa de Ávila era judeu e, possivelmente, foi obrigado a se converter;

·      A América foi descoberta por Colombo em 1498. O mundo deixou oficialmente de ser considerado plano.

No século XVI, aconteceram os seguintes eventos:

·      Em 1517, há exatos cem anos, Martinho Lutero pregou as suas 95 Teses na porta da Catedral de Wittemberg na Alemanha. Considera-se que, ele iniciou aí o movimento de Reforma, que deu início às Igrejas Protestantes e, consequentemente, a todas as igrejas que nós conhecemos hoje. Nota-se que, após a expulsão dos muçulmanos e judeus da Espanha, a fé se tornou única (catolicismo romano) em toda região oeste da Europa por 25 anos (1492-1516). O “inimigo” externo (muçulmanos e judeus) fora derrotado, aí surgiu um “inimigo” interno (os protestantes), causando instabilidade social novamente. Para se defender, a Igreja Católica criou alguns movimentos que podem ser considerados de Contra-Reforma (entre eles, Companhia de Jesus e Inquisição);


Lutero em 1529.
·      Natural do País Basco (região entre a Espanha e a França), São Ignácio de Loyola estudava na Universidade de Paris, em 1540, quando criou uma congregação voltada à propagação da fé católica no mundo, isto é, os jesuítas. Eles levaram ao limite aquilo que os franciscanos e dominicanos haviam começado no final da Idade Média: difundir a fé junto ao povo. São exemplos de jesuítas que atuaram no Brasil: padre Anchieta (canonizado em 2014), padre Manuel da Nóbrega e padre Antônio Vieira (famoso pelos seus sermões).

Por que é necessário ter isso em mente antes de ler O Livro da Vida?

Porque Santa Teresa era uma mestra da oração. Fazendo um paralelo com à ciência iogue, Santa Teresa começou se concentrando nos passos do martírio de Cristo, em seguida, ela atingiu o estado de meditação (que ela chama de oração de quietude), para então atingir os estados de comunhão com Deus, acho que ela chama o primeiro de oração de união, e os outros de arrebatamento. E ela não consegue explicar a diferença entre os diferentes tipos de arrebatamento (ou eu não consigo entender, o que é mais provável). Na terminologia hindu, esses são os diferentes tipos de samaddhi. Embora isso pudesse ser aceito e comum na Índia, não era na Espanha conturbada, que teve uma Idade Média tardia. Muitas pessoas religiosas temiam que isso pudesse ser obra do demônio, ainda mais, porque vinha de uma mulher.

A estátua mais conhecida de Santa Teresa é o Êxtase de Santa Teresa, esculpida por Bernini no século XVII. Provavelmente por desconhecer do que se tratava esse fenômeno espiritual, o autor retrata a santa como tendo um orgasmo.

Êxtase de Santa Teresa na visão do escultor Bernini.
São Ignácio de Loyola, fundador dos jesuítas, também era um mestre da oração. Ele escreveu os Exercícios Espirituais, que algumas pessoas já traçaram paralelos com Yoga. É quase certo que ele também atingiu estados espirituais de arrebatamento e soube como ensinar essas técnicas aos religiosos de sua ordem. Quando Santa Teresa é acusada e perseguida, na maioria das vezes, é um religioso da Companhia de Jesus que vem defendê-la, em alguns casos, ela recebe ajuda dos dominicanos.

Quando O Livro da Vida foi escrito e em que circunstâncias?

Santa Teresa escreveu sua autobiografia (que não tinha título na época, não se sabe quem atribuiu o título de O Livro da Vida) para seu confessor jesuíta, para que fosse mostrado no processo de acusação da Inquisição. Dom Felipe Sega a denunciara em 1578, como ‘mulher inquieta, errante, desobediente e contumaz’, o que já era suficiente para ser queimada na fogueira naquela época.


Imagem de um interrogatório de mulheres pela Inquisição.
O livro “vasou” e se tornou um best-seller da época. Todos ficam impressionados e querem ler a história dessa santa. Ele é o segundo livro mais lido em língua espanhola até hoje, depois de Dom Quixote. Ambos foram escritos numa época em que o espanhol não existia como língua. Os dois foram pioneiros em tentar escrever algo em espanhol (até aquela época, falava-se em espanhol, mas só se escrevia em latim). Por isso, a escrita de Santa Teresa não tem pontuação. Ela escreve tudo corrido, sem ponto nem vírgula (estilo escritor português Saramago) e ela nunca volta para revisar o que escreveu. Ela tinha pouco tempo para se dedicar a escrita, e deixa claro que só está escrevendo porque seu confessor exigiu.

Qual a relação entre São João da Cruz e Santa Teresa?

Como tanto São João da Cruz e Santa Teresa se conheciam, eram amigos e escreveram belíssimos poemas religiosos, é comum ouvir falar que Santa Teresa foi influenciada (quase tutelada) por São João da Cruz. Pela leitura de O Livro da Vida, parece que São João da Cruz estava mais na condição de discípulo de Santa Teresa, do que de mentor. Aparentemente, o mestre que mais influenciou Santa Teresa foi o frade franciscano português São Pedro de Alcântara.

     Conheça um belo poema de Santa Teresa cantado na voz da Irmã Kelly Patrícia. 



O que Santa Teresa, de fato, fez? Quais suas principais obras? Quais livros são mais recomendados?

Para que este post não fique longo demais, vamos tratar dessas e de outras questões no post da semana que vem.

Muito obrigada a todos vocês que acompanham o nosso trabalho. E nos enriquecem com críticas, sugestões e comentários. Por favor, fiquem à vontade. Esse espaço é de vocês!

Boa semana! Boas leituras!

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